Dia do trabalho, 1° de maio, caindo num domingo. Alguns reclamavam perder um dia de descanso, mas todos acordaram mais cedo, como em muitos outros domingos antes. O ano era um atípico ano para os brasileiros. Naquele momento muitos não sabiam sequer com o que pagar o pão de cada dia, se era em URV’s, cruzeiros, cruzeiros novos, real, ou um índice incompreensível para o cidadão comum. A pátria de chuteiras daria o seu passo-a-passo para quebrar um jejum de Copas do Mundo de 24 anos. Um ex-senador paulista viria a ser presidente, graças a um plano monetário que se mantém até hoje, sabe-se lá como. Naquele dia, como todo domingo, era dia de frango com macarrão. A praia ficaria lá pra depois das onze horas. Mas antes, o sagrado e ótimo ofício de vibrar em frente à TV era celebração ecumênica de uma nação inteira. E no meu caso, que passava ao longe das igrejas, essa era a minha religião.
O dia era tenso. Um piloto havia morrido dois dias antes, na pista de Ímola. O então meio-estreante Barrichello voou e quase destruiu a sua vida, logo depois. A torcida era não somente de ver um orgulho nacional vencer novamente, mas principalmente, como todo fã de Fórmula 1, que a fatalidade não fizesse das suas, mais uma vez. Ledo engano. Logo nas primeiras voltas, uma Williams deu de cara na curva Tamburello. Estilhaços para todos os lados e o pior, era “ele” quem o pilotava. Uma batida feia o suficiente para quem vira todas as corridas desde os tempos de Pace e Fittipaldi. O palavrão fez quem ainda dormia, acordar na hora, por todo o prédio.
Desde então, o resto do “feriado” foi de uma total apreensão. A minha experiência de louco por corridas já sabia dos detalhes de uma transmissão ao vivo. Câmera em um helicóptero bem longe. Nada muito focalizado e quando se noticiou que seria necessário uma traqueostomia, na hora, o sangue gelou e a mente já sinalizou para mim o que o resto do país veria mais tarde, nos plantões de notícia. Era desligar a TV, numa mistura de tristeza e aceitação, com esperança e o que mais viesse à cabeça. O caminho para a praia foi “no automático”.
E meio que robotizado, vi as horas seguintes. Nunca algo foi capaz de mexer com a minha emoção, quando a perda era eminente. Nunca tinha sido um adorador de celebridades, quaisquer que seja. Ainda não sou e por isso, uma coisa muito estranha me passou nos dias seguintes, com toda a mídia fazendo aquele sensacionalismo sobre a morte de alguém. Eu simplesmente me vi emocionado. Afinal, o Brasil ainda não tinha levado a Taça, não tinha ainda a certeza se o dinheiro que ele tinha valeria algo e se o tal ex-senador ganharia. Foi tudo um grande empurrão para o esquecimento do que aconteceu naquele Dia do Trabalho. Como se o nosso orgulho fosse ferido pela suspensão de um carro e nos atingisse a cabeça feito uma bala. Nós tínhamos o que mais próximo seria de um herói de carne e osso e que não era um jogador de futebol. Algo que o mundo inteiro reverenciasse simplesmente pelo que era capaz de fazer e ainda por cima amava o que fazia. E melhor: era brasileiro por amor, não somente por nascimento. A bandeira não tremula mais nas mãos nas voltas da vitória num domingo.
E eu confesso que chorei. Também.
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2 comments:
DEU ATÉ VONTADE DE CHORAR EM LER TANTO SENTIMENTO NUM TEXTO. PARABÉNS MAIS UMA VEZ MEU AMOR!!!
BJS
Todo primeiro de maio eu tento nao lembrar o que senti naquele dia e nos dias subsequentes a morte dele. O seu texto me fez lembrar exatamente como me senti naquele dia.
E exquisito ter esse tipo de sentimentos por uma pessoa que eu nunca conheci pessoalmente. Mas nao precisava.. Senna era o irmao maior que nunca tive, o super-heroi que eu podia ver em acao todo domingo. E ate hoje quando lembro daquele dia, meu coracao doi pela perda.
Ele era parte de todas as familias brasileiras e aqueles que foram privilegiados de ver Senna correndo, nunca vao esquecer.
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