Friday, March 03, 2006

Da arte de se carregar um filme nas costas


Aloisio Santos _____________
Philip Seymour Hoffman é aquele tipo de ator que todo mundo presta atenção. Sua capacidade de atuação, aliada à escolha de bons e variados personagens o fizeram memorável desde o mauricinho de “Perfume de Mulher”, passando caboman de “Boogie Nights” e pelo louco e alucinado assistente de caça-tornados em “Twister”. Mas as pessoas começaram a vê-lo com outros olhos a partir do papel de travesti em “Ninguém é perfeito”. Mas era sempre um coadjuvante. Só não era considerado um auxílio luxuoso porque seus cachês não eram estratosféricos e por logicamente, nunca ter feito um papel principal. E isso deve mudar agora, com “Capote”.
A história desse que é um dos principais filmes indicados ao Oscar, mostra o processo de criação do escritor Truman Capote naquele que é o seu livro definitivo - “A sangue frio”, que tenta destrinchar o assassinato de uma família inteira. Durante quatro anos, Capote envolveu-se com um dos assassinos e tentou ajudá-lo a sair do corredor da morte. Em troca, recebia todas as informações que queria. O que o filme focaliza é como um intelectual de Nova York pode se interessar pela história, fazendo-o sair do seu mundinho onde ele poderia dar uma de Caetano Veloso eternamente, para o mundo frio que se colocava na mente do assassino Perry Smith. Como companhia tinha sempre ao lado, a amiga de sempre Harper Lee, bem interpretada pela também indicada Catherine Keener. Lee é a autora de “O sol é para todos”, que assim como o “Bonequinha de luxo” de Capote viraram clássicos do cinema americano.
Mas há algo que intriga neste filme. São menos de duas horas que a direção tratou de deixar como se fossem quatro. Provavelmente ele quis mostrar a tensão entre um assassino agoniado em sua culpa ou um intelectual gay, que viu nesse assassino um mundo desconhecido... O final, mesmo para quem não conhece a história é previsível e também o diretor nos quer dar a impressão que será justamente o contrário. E é aí que “Capote” desanda. E cansa. Mas não tem como não deixar de glorificar a atuação de Hoffman. Assim como Jamie Foxx literalmente deixou-se incorporar por Ray Charles, Hoffman faz um Capote que só não seria melhor se fosse o próprio. Inclusive naquele gesto de colocar as mãos na cabeça como se estivesse pedindo um Dorflex.Se um filme calcado na atuação daquele que faz o personagem principal tem méritos, qualquer um pode dizer. Tanto que não faltam bons exemplos pra isso. Mas para que isso aconteça, o roteiro, a direção e demais partes técnicas devem contribuir pra ele e não o contrário. Um bom filme pode fazer um bom ator. E não o contrário.