Aloisio Santos Cinema hollywoodiano sempre foi de incensar os grandes de um
estilo. Ford e Leone eram os bambas do faroeste, Spielberg retrata a fantasia
como ninguém, suspense era com Hitchcock e tem os mestres dos musicais, outro
de ficção científica, mas onde enquadrar Chris Nolan? Como categorizar um
diretor que até o momento é conhecido por dar nós em nossas cabeças e fazer
filmes não menos do que sensacionais? Pois é, talvez seja essa a sensação que
temos e seria necessário colocar mais um sub-ítem na prateleira só por causa dele.
Agora, quando ele mete a mão para fazer um filme de guerra aí a tendência é
torcer o nariz. Afinal, é um Nolan de jeito que não estávamos acostumados a ver. Ele é um contador no estilo contemplativo. É aquele cara que se senta do
seu lado e olha para o horizonte para falar de histórias épicas e deixar
crianças de queixo.
Aí é que reside o trunfo de “Dunkirk”. Fazer um filme de
guerra, sem soar exatamente como guerra. Guerras nunca foram necessariamente
acabar com o inimigo e ser o fodão da nação. Guerra é sobrevivência e heróis que além de saber atacar, devem saber como recuar e fazer os seus voltarem para
casa. Este é o ponto a mostrar no filme. A Operação Dínamo é um dos episódios
mais heroicos da Segunda Guerra. São 400 mil homens encurralados em uma praia
pelas tropas alemãs. Na frente, a Inglaterra distante pelo canal é ao mesmo tempo
tão perto e tão longe, pois qualquer movimento seja por mar ou ar, se tornariam
alvos fáceis. O improvável ali é viver.
Quem viu os últimos filmes do gênero, notaram sangue demais,
tripas demais, explosões demais, tudo demais. Guerra não é assunto para Michael
Bay ou Mel Gibson, basta notar que alguns dos filmes mais sensacionais do
gênero quase não tem isso tudo, como “Tora, tora, tora” ou “Adeus às armas”,
por exemplo. A intenção é colocar você lá dentro, na pele dos personagens e se
identificar. Ficar agoniado e querer atacar, salvar, resgatar, ser vitorioso.
Para o diretor você tem que ser mais um na multidão e sair de uma batalha real
com todas as sensações possíveis e imagináveis.
Como conseguir isso? Um bom olhar para fazer você sentir a
amplitude de um ambiente de luta (e para isso um 70mm que o IMAX proporciona é
como ver um filme das antigas), um Hans Zimmer que joga a trilha no alto com um
tique-taque nervoso e violinos rangendo como se estivéssemos moendo carne com
os dentes, dizendo que o tempo está correndo e só depende de você se safar
dessa. Boas atuações, como o ás aviador (Tom Hardy se esgoleando em um papel
sentado o tempo todo), o Oscarizado Mark “Ponte de espiões” Rylance num
barquinho sem violão sangrando o mar com dois adolescentes para ajudar quem
estivesse na frente. Um Cillian Murphy e sua famosa cara de atormentado de sempre
e claro, um shakespeariano Kenneth Branagh na visão Churchiliana de um bom
comandante, com aquele nó na garganta e a empáfia inglesa de passar aos
comandados sua força frente o perigo. Os demais são desconhecidos como eu e
você, os grandes guerreiros agoniados por duas horas na cadeira tentando
escapar.
Quem aplaudiu Nolan em todos os seus trabalhos, logicamente
estranhou tudo aquilo e só quem percebeu essa mistura de agonia e poesia visual
em reais tons de cinza, pode sair do cinema com o mesmo arregalar dos olhos das
películas anteriores. Quem saiu dessas duas horas, como aqueles combatentes que
passaram dias de agonia e glória, percebeu a coisa toda e notou que, assim como
os barqueiros civis que foram cruciais nesse episódio, vão se igualar ao
pensamento de Churchill pontuando o final com um dos seus discursos mais famosos,
conclamando os ingleses na maior das lutas até então.
Isso faz “Dunkirk” ser diferente e espetacular. Um filme de
guerra pode ir além das ideologias explícitas (ou implícitas, como neste), não
precisa de super-realismos, basta colocar cada um de nós na situação e isso e
tão simples como dois e dois são quatro. Pois é Nolan, você brincou conosco de
novo e marcou mais um gol daqueles.