Monday, February 27, 2006

É de 2005 e pena que só pude ver agora.


Aloisio Santos ________
Muitos disseram que o grande trunfo do vencedor do Oscar do ano passado, “Menina de ouro”, além dos atores e da direção de Clint Eastwood, está nas mãos do roteirista Paul Haggis. Ele, que veio como roteirista de seriados televisivos, mostrou-se capaz em fazer uma história de boxe que a princípio fugia do comum. Nesse mesmo ano ele escreveu e dirigiu um dos filmes mais incensados pela crítica e graças as suas seis indicações ao Oscar desse ano, inclusive ao prêmio máximo, deixaram “Crash – No limite” voltar às salas de cinema.
Por motivos que só os distribuidores e exibidores são capazes de descrever, este filme ficou pouco tempo em cartaz no circuitão, mas nunca deixou de ser exibido em salas menores. É mais um daqueles considerados pela indústria cinematográfica americana como baixo custo e mesmo assim não deixou de ter artistas bem pagos no elenco. E também é mais um daqueles que pega carona na esquizofrenia que o dia a dia de uma grande cidade da América (no caso, Los Angeles), passa. Claro que o tema é recorrente. Quem viu “Um dia de fúria”, sabe disso. A estética das estórias de várias pessoas comuns que se cruzam a certa hora, também. Mas Paul Haggis fez uma coisa incrível. Fazer um filme super tenso e denso sem precisar das correrias e truques de quinquilhões de imagens por segundo pra fazer você se sentir intimidado. Muito pelo contrário. E desde os primeiros dez minutos, até a última cena, parecem que todos no cinema dizem “Putz, que merda” a toda hora, dada às desgraças que se passam com os personagens.
Mas há quem diga que não é bom ver um filme aonde você vai se sentir intimidado e ver perrengues ocorrendo a toda hora. “Isso eu passo todo o dia”, dizem. Mas é esse o golpe no estômago que Haggis quer lhe dar. Se você pensa que está na pior, não se preocupe. Poderia ser muito mais e não há como não se colocar no lugar de cada um deles pra ver isso. Outra grande sacada, é que mesmo tendo atores super conhecidos e outros nem tanto e várias situações e personagens, as congruências são bem plausíveis e todos participam ativamente. Não é como numa novela de Manoel Carlos, que tem mais de 200 personagens e cada um tem pelo menos uma fala. Em “Crash”, todos realmente estão no bolo e todos têm participação quase que igual. Até porque estamos falando de Los Angeles, a cidade onde as misturas parecem mais evidentes. Negros, brancos, asiáticos, hispânicos de todo tipo e por aí vai. Para eles se entenderem no país dos livres e bravos e na terra das oportunidades, significa matar um leão por dia. O brabo é que na indicação em roteiro, ele concorre com o também ótimo “Match Point”, de Woddy Allen.
O mais engraçado, porém, é sair de uma porrada como essa do cinema, em pleno carnaval à tarde no Leblon. Um lugar onde as mil maravilhas de Manoel Carlos parecem existir. Mas temos mendigos deitados em todos os bancos do Rio Cidade e gente brincando sua folia sem dar a mínima. E mesmo assim, com as neuras de violência que temos, duas canadenses puderam se sentir seguras em um ônibus, onde pude levá-las a um albergue no Bairro Peixoto e tinham acabado de me conhecer. Apenas porque arranhava a língua inglesa. Quem viu o ver o filme saberá essa relação, inclusive com o título original. De pessoas que se esbarram, têm seus destinos traçados e não há como fugir deles. Pena que parece que vão premiar o filme dos caubóis... E pena que só pude ver "Crash" agora.

Thursday, February 16, 2006

E você, como dorme à noite?


Aloisio Santos _______
Em uma entrevista, anos atrás, o diretor Steven Spielberg não imaginava fazer um filme com violência e matanças. Ele que até então sustentado pelos blockbusters de grande apelo visual e em alta com o público de todas as idades deu como desculpa que queria fazer filmes que pudesse assistir junto com sua própria família. Bastou chegar a hora de “Lista de Schindler” mostrar histórias e dramas durante a 2ª Guerra para que as coisas mudarem de figura. E desde então, ele resolveu intercalar um filme dito sério, com um de entretenimento puro. Daí tem “Munique”. E ao contrário do que muitos pensam, não fala especificamente do massacre de atletas israelenses durante os Jogos Olímpicos de 1972. O que se passa durante as quase três horas são justamente os contra-ataques nos dias seguintes.
Com um elenco predominante de ingleses, Spielberg conta a história de um grupo que tem a tarefa de eliminar cada um dos 11 responsáveis pelo atentado na Alemanha. E ele faz um grande filme de espionagem, no estilo dos que gostávamos de ver nos anos 70 e 60 em todos os aspectos. Tanto que se não fosse por um ou outro enquadramento e uma guerra entre grupos por um rádio (isso mesmo, um aparelho de rádio), talvez esse não fosse um filme dele. Mas o apuro, os detalhes, a trilha do John Williams, estão todos lá. E este “Munique” é uma mostra que as coisas mudaram pra Spielberg. Mas apenas na forma como ele mostra e conta suas histórias. A questão familiar é o que conta nesse filme. O que faríamos pra defender nossas famílias? E que conceito temos delas? Não importa quais decisões ou visões temos, contanto que possamos simplesmente estar conscientes dos nossos atos e ter uma boa noite de sono, todos os dias.
E os pesadelos do personagem principal vivido por Eric Bana, sobre como foram as horas de desespero na Alemanha, que nos fazem sentir um frio na espinha maior do que os provocados pelo ar condicionado do cinema. E durante o filme se segue a busca por vingança. É claro que a lição de moral sobre ações e reações violentas se mostra presente. Basta criar o mal que ele cresce feito praga e nesse caso, parece não adiantar cortá-lo pela raiz. Pode ser no Oriente Médio, no Haiti, na África ou na Rocinha. Mas independente de quem está (na busca) de razões é o como deitar a cabeça no travesseiro à noite, que move a estória. Acumular todos os seus medos e transformá-los em paranóia é válido para manter o statuo quo de uma nação, um povo, uma família?
Spielberg sabe como conduzir um bom drama e tivemos provas disso várias vezes. “Munique” é mais uma delas. Exceto pelo próprio Bana e sua cara de eterno atormentado que não ajuda. Até Daniel Craig passou no vestibular pro papel de 007 que irá desempenhar. Pois você já viu um filme de espionagem, sem perseguições implacáveis de carros por ruas estreitas e ainda assim ser um filmaço? De qualquer forma, este é um daqueles filmes pra se guardar na prateleira assim que sair o DVD, mesmo que saia de mãos abanando no Oscar. E que venha recheado de extras, claro.

Wednesday, February 15, 2006

Filme que faz falta


Aloisio Santos _________
A abertura sóbria remete aos filmes do Woody Allen. Só o título e jazz ao fundo. Quando entram as imagens em preto e branco, o incauto pode pensar que entrou na sala errada. Mas é no decorrer dos poucos mais de 90 minutos de “Boa noite, boa sorte”, que a verborragia e as auto-análises de Allen não têm lugar ali. E você nem notaria que é um filme dirigido por George Clooney, se não já o soubesse antes. É claro que o amigo diretor Steven “Traffic” Soderbergh deu umas aulas e você nota umas assinaturas dele em uma cena ou outra. Mas este filme produzido com modestos 7 milhões de dólares (pelo menos nos padrões hollywoodianos) e era pra ser um documentário anteriormente, teve a acertada idéia de leva-lo como um “filme comum”. O que o tornou mais acessível mostrar uma das inúmeras fases negras da história.
Os americanos parecem sempre movidos pelo terror. Seja pela cabeça do Bush ou por um insano senador de Wisconsin chamado Thomas McCarthy. Basta um republicano achar que alguém invadiu suas terras pra empunhar um bacamarte e mandar chumbo. E é o que motiva o filme. A cruzada do senador contra os que se opunham aos seus ideais de uma América supostamente livre e posteriormente estigmatizado-os de comunistas. Do outro lado, um jornalista de senso incrível de sua função perante a sociedade e aos seus telespectadores, chamado Ed Murrow. Murrow nos anos da tv movida a lenha, tinha um dos programas mais assistidos pelos americanos, o “See it now”, uma espécie de “60 minutes” daquela época. Com uma boa equipe e um ótimo trabalho investigativo, conduzia com maestria seu programa e dava credibilidade à sua imagem e à CBS, que produzia o seu show. No meio de denúncias, réplicas e tréplicas, eles mostram o que todo mundo sabe. Todos temos telhado de vidro. E na luta do bem contra o mal, vence aquele que está sempre a favor da verdade. E quem o faz dessa forma será sempre o Cavaleiro Branco.
Mas o grande trunfo de “Boa noite, boa sorte” (frase com que Ed Murrow finalizava seu programa) está na pesquisa e na fidelidade de se mostrar os “earlies 50’s”. Sempre pincelados com números de blues e jazz a cada situação. O que mostra que grande parte do custo do filme ficou exatamente nessa parte. Ponto pra eles. E também pros atores David Strathairn que faz o papel principal, e de George Clooney, que deixou de lado seus trejeitos de “já tomou seu Toddy hoje, baby?” para fazer o produtor do programa. Ambos indicados ao Oscar pelas suas atuações. E não seria exagero nenhum se um deles levasse o prêmio pra casa.
De qualquer maneira, “Boa noite, boa sorte” é um daqueles filmes obrigatórios tanto pra quem faz uma faculdade da área de humanas (os jornalistas estão dando pulos até hoje por isso), quanto para aquela turma de colégio que tem um dia pro cineminha na sala de áudio visual indicada pelo professor de história. Eles precisarão bastante disso. Que digam os alunos de cinema sentados ao meu lado, que se perguntavam a certa altura, quem era Ava Gardner.

Tuesday, February 07, 2006

A razão e a sensibilidade de Lee


Aloisio Santos _________
Anos 60. Um jovem cowboy procura um emprego na cidade. Como não consegue nada, vive na venda de seu corpo e tem um relacionamento com o seu, digamos, gigolô. Nesse mesmo ano, dois outros cowboys estão mais pra ladrões do que realmente vaqueiros, mas sua “parceria” fez bem pra carreira dos dois. E em outra situação, um velho cowboy mostra toda sua bravura indômita. Isso tudo em um ano só.
Mas tudo isso não foi real. Eram os filmes “Perdidos na noite”, “Butch Cassidy” e logicamente “Bravura indômita”. Engraçado como nos anos 60, os americanos já gostavam de mexer com seus mitos, e em particular o famoso vaqueiro. Símbolo de toda masculinidade e força e poder do americano típico. Dois eram ladrões, um já estava um tanto velho pra atuar, e o outro teve um caso gay. E todos eles ganharam seu Oscar, mas o que causou mais espanto foi justamente “Perdidos na noite”. O vencedor do ano e que revelou o pai da Angelina Jolie, Jon Voight.
Quarenta anos depois, o cinema hollywoodiano está grilado. Afinal, numa América cada vez mais conservadora, moralista, militarista e idiota no sentido mais amplo poderia absorver bem os pensamentos criativos de quem lida com a arte mais valorizada do país? Nada melhor do que mexer no feridão para ver o que acontece. E é essa a sensação que o favorito ao Oscar desse ano “O segredo de Brokeback Mountain” de Ang Lee quer passar.
Mas Lee já mostrou que não é um diretor qualquer. Quem viu “Razão e Sensibilidade” e “O tigre e o dragão” sabe disso e que ele mostra que a China tem muito mais que Jackie Chan e filme de porrada coreografada. Mas qual é a grande diferença se há 40 anos atrás os americanos viam um cowboy ter um caso gay no cinema?
A grande diferença é que Lee juntou um elenco improvável. Heath Ledger (uma das muitas tentativas de se criar um novo James Dean), Jake Gyllenhaal (um Tobey Maguire com mais tino pra atuação) e Michele Williams (que é mais conhecida por ser a adorável problemática Jen da série de TV “Dawnson’s Creek”) e os fez trabalhar com a razão e obedecendo bem as técnicas de uma boa atuação. Teve sensibilidade capaz de fazer em pouco mais de 2 horas de filme, com que dois caipiras americanos passasem o tempo se amassando e discutindo a relação. Isso mesmo, discutindo a relação! Como isso é possível nos anos 60? Não foi. E durante os 20 anos da história do inusitado casal, eles tentam levar suas vidas miseráveis, enganando a si próprios e de vez em quando tendo as montanhas do Wyoming como testemunha de que os sonhos deles eram realizáveis. Isso significa que tratar o filme como um “romance cowboy gay” é simplificar demais as coisas.
Esse é o grande mérito de Lee, que se não tiver a sua estatueta como os prognósticos apontam, terá pelo mais um cult movie em seu currículo. Mas não mais do que isso. Ele já fez filmes com muito mais razão e muito mais sensibilidade do que este. Não que “O segredo de Brokeback Mountain” não o tenha. É que os americanos costumam de vez em quando passar por cima de seus próprios mitos e mostrar outras faces da mesma moeda. Se o vaqueiro daquela marca de cigarros morreu de câncer e muitos outros atores conhecidos pelos faroeste,s com seus personagens viris não eram exatamente viris. Tudo é possível, ou já demonstrado.