Friday, April 07, 2006

Intelectualóide



Aloisio Santos _________________
A palavra é “intelectualóide”.
Se ela existe, quem pode dizer? Na verdade existe a palavra “intelectual”, claro. Assim como todos sabem o que significa. Mas intelectualóide seria talvez algo que estivesse um pouco à margem. Como uma espécie derivada do intelectual, daí o seu sufixo. Assim como fazemos com “humanóide”, “andróide” etc. Mas dando uma boa observada por aí, nos intelectualóides aparecerão com facilidade. E só seguir esses passos:
Um intelectualóide está, ou se acha acima do que a maioria define como intelectual. Afinal quem é ele para se colocar em maiorias? Massificação é como se fosse quase que um palavrão. Embora adore um forró-brega na Feira de São Cristóvão. De música gosta de tudo um pouco desde que seja no original. Samba? Cartola. Pagode? Fundo de Quintal? Sertanejo? Almir Sater. Mas não sabe a real definição do que é um forró Pé-de-Serra ou um desses novos forrós universitários. Tudo em vinil da época. Mas não larga seu Ipod por nada. Livros? Alguns na estante e outros abertos pela casa. Lêem apenas o rodapé. Leitura para eles pode significar qualquer revista que tenha um título enorme e de preferência importado e comprado na Letras & Expressões. Jornais? Apenas o Segundo Caderno para concordar com o Xexéo, ou então a Revista de Domingo do JB para ver se a foto onde ele estava na praia, na altura do 9 foi publicada, enfim.
O intelectualóide anda como se estivesse sempre olhando para o espaço ou para o nada. E sempre com aqueles óculos de aros grossos ao máximo e quadrados que lhe conferem um ar de cdf ou nerd-fashion. Não há como saber se é proposital, mas há grandes indícios de que é verdade. Aquele jeito de quem está certo que a calçada é dele e qualquer coisa num raio de pelo menos uns 3 metros não lhe diz respeito, mesmo que seja um ônibus e o intelectualóide atravessando a rua num sinal fechado para ele. Em determinadas ocasiões eles simplesmente param do nada e mudam de direção como uma perua ao descobrir um sapato novo na vitrine de um shopping center classe AAA. Se nesse meio caminho ele vai se esbarrar em alguém, dane-se. A razão será sempre a dele. E eles conseguem fazer isso não em seus carros, mas a pé mesmo.
E em se tratando de carros, vamos falar deles. Para o intelectualóide nem é tão necessário assim. Ele pode andar de ônibus. Até naqueles que passam pelos lugares mais perigosos, simplesmente porque ele vai se dar ao luxo de ser politicamente correto nesses casos. Ele acha que perto do povão será mais uma prova de sua larga superioridade. Mas é claro que em grupos, os intelectualóides irão preferir aquele modelo europeu de carro. E vão comentar que o chic mesmo seria andar num Chevette Hatch Jeans 80.
E por associação vamos às reuniões de intelectualóides. Sim, eles andam em grupos senão não seriam definidos como espécie. Seus lugares prediletos são os museus, cafés, filiais de bares paulistas com cara de botequins cariocas. É de se esperar isso, uma vez que se derivam dos intelectuais. Mas eles têm diferenças. Adoram criticar os furadores de fila em noites de autógrafos, mas são os primeiros ao faze-lo graças justamente ao ar displicente de andar como vimos antes. No caso das cafeterias, preferem capuccinos. Mas não porque seja bom, mas porque adoram ver personagens de filmes bebendo litros de capuccinos e a qualquer hora do dia. Nos cinemas então a coisa sai dos eixos. Em vez de desligarem seus celulares, deixam no alerta vibratório. Tudo para atenderem no meio da sessão, dizer para quem está do outro lado da linha que está vendo o novo filme do Almodóvar (engraçado isso, já que preferem qualquer filme iraniano, armênio etc. O mais próximo de um filme comercial pra eles é o Woody Allen) e desligar. Até aí, já se vão uns 3 minutos de conversação e tome pipoca na lata. E por falar em pipoca, o intelectualóide não compra “combos”. Nem pipoca. Prefere aquele saquinho com 8 pães de queijo da lojinha da frente.
Na praia, é fácil o reconhecimento deles. Conseguem levar tudo o que tem direito em apenas uma sacola e mochila. Sabem com uma precisão diagnóstica de um dermatologista que filtros (isso... filtros!) usar. Apenas porque viram isso naquele canal a cabo que fala de saúde. São adeptos da boa saúde por isso bebem água de côco em vez de refrigerante, mas não o engarrafado e sim aquele que vem direto do côco. Mas jogam fora o fruto na cesta de lixo e deixam o canudo em qualquer esquina, no chão. Para eles, dos males o menor.
A casa de um intelectualóide é um fato histórico. Uma grande mistura de todas as culturas que ele “conhece” através das feiras artesanais por onde passou. Lógico que o intelectualóide é um cara viajado. Desde que apareceu a tv a cabo e internet, ele já foi a todos os lugares do mundo e comprou tudo o que estava na revista de comportamentos pelo Mercado Livre. Também adoram um brechó para pagar mais de 130 pratas por uma camiseta, um short ou alguma peça que já foi um dia de seus pais ou tios.
A religiosidade de um intelectualóide é indecifrável. Se levarmos em conta que a religiosidade vem muito da nossa crença e o intelectualóide um cético antes de tudo é difícil ver certas atitudes deles. Eles já foram em centros, missas, cultos, consultas de cartas, búzios e qualquer coisa que tenha um guru jogando penduricalhos para dizer sobre o seu futuro. Eles andam com camisetas com todos os santos existentes no catolicismo, mas não acreditam em Deus e são de uma superstição de assustar. Simpatias, jogos? Sabem todos e são capazes de dar diagnósticos diferentes para uma mesma pessoa em duas oportunidades diferentes. Uma logo depois da outra. Ele afinal quer se certificar do seu próprio ceticismo.
E já que tocamos no assunto religião, que tal então para uma outra religião brasileira? Futebol! O intelectualóide não esconde sua preferência pelo esporte bretão. Diz a escalação de todas as seleções desde 1950. Inclusive as substituições. Mas não sabe definir um impedimento. Eles sempre estão com algum uniforme ou algo que defina seu time de coração. Qualquer um que não ganhe títulos há pelo menos uns 15 anos. Ou o Flamengo, só para jogar na cara dos outros que foi campeão do mundo uma vez. Ver um jogo de Copa com um intelectualóide pode ser constrangedor, principalmente se for num bar. Ele vai passar por toda a torcida em frente à TV porque ele quer comprar mais um cigarro varejo e não no balcão do bar. Mas no garoto do outro lado da rua ou na banca de jornal ou num camelô qualquer.
Todos já vimos algumas dicas de como reconhecer um intelectualóide. Inclusive qualquer um pode ser um em potencial. Qualquer um pode sê-lo por completo. Pode ser eu, você...Mas não se assuste, pelo menos você não é uma espécie que corra algum risco de extinção.