Wednesday, December 20, 2006

Pequenas histórias de Natal


Aloisio Santos ________

Todos têm o seu Natal inesquecível e aposto que nessa mesa há conteúdo pra ficar ouvindo e contando até às festas do ano que vem. Histórias tristes, Alegres. Ou até por falta de histórias que um ano específico, já rendem um bom caso. É mais ou menos como aquele slogan do programa Global dessa época: “Uma noite com o Rei, a gente nunca esquece”. Pra ser sincero, lembro bem até da primeira das apresentações especiais pra TV do carinha que costumava ser uma brasa. Eu tinha acabado de ganhar quatro jogos de futebol de botão. Um do Vasco, um do Palmeiras, um do Corinthians e um do Flamengo. Nem esperei a mesa. Fiz do desenho dos tacos no chão pra marcar as quatro linhas e joguei até cansar enquanto aquele cantor cantava sobre sua pequena cidade natal, no interior do Espírito Santo. Nem dei atenção. Também nunca fui fã, ainda mais agora que ele já não cria e ainda esteja com mais manias do que o Michael Jackson.

Mas lembro-me mais das festas de Reveillon. A que choveu e obrigou todo mundo a correr da praia feito desalmado em direção aos carros. A primeira cascata do Meridien. A daquela em que o Centro Comercial de Copacabana pegou fogo. E sempre esperando pelo primeiro raio de sol no dia seguinte. Como se fôssemos o Supreman tentando revigorar suas forças pra encarar o que viria pela frente.

Dos Natais, pouco sobrou depois que deixei de ser criança e de uns 10 anos pra cá principalmente, já que meu pai é que fazia questão de ter tudo o que tinha direito. E isso significava ou passar as festas em Minas com o resto da família, ou receber toda a horda ao mesmo tempo aqui no Rio. Mas certos Natais se superam em pequenos gestos que você se dá conta pouco depois somente. E essa história em particular tem a participação de uma pessoa bissexta dessa mesa e que vai se identificar quando ler essas linhas abaixo.

Eu estava prestes a voltar a estudar no Sacre Couer, depois de 3 anos fora. E naquele ano ganhei um amigo que assim como vários outros dessa mesma época, felizmente trago uma fraterna amizade até agora. E seus pais insistiram em me convidar pra passar a noite de Natal com eles e a família. Aceitei a princípio como um gesto de agradecimento pela força que me deram pelo meu retorno. Mas foi bom porque na mesa onde estávamos apenas nós os homens da reunião, ouvindo histórias de uma pessoa (por sinal o pai desse meu amigo) que tinha a particularidade de falar bem baixo. Quase inaudível. E compreendia apenas as primeiras palavras de cada frase, que eram as que ele proferia em tom mais alto. Geralmente eram histórias que passavam pelas fases da própria história brasileira que então desconhecia e por causos que passou quando mais jovem. E pra variar Bob Charles na TV. E pra que dar atenção ao Rei? Tenho mais o que fazer (comer e beber) e ouvir.

Prometi sair por volta de 11 horas. Naquele tempo os pré-adolescentes tinham horário pra voltar pra casa. E também teria de encarar a ceia da minha própria família. Despedi-me e já na porta, dando o último tchau que a mãe desse meu amigo me interrompe e vem com um pequeno embrulho. Uma real surpresa. Quem poderia esperar que de convidado de primeira viagem ainda ganhasse presentes numa festa familiar?

“É só uma lembrança. Comprei hoje, pois não sabia se você viria”. Palavras dela. Sem graça pelo gesto agradeci pela surpresa e deixei pra abrir o embrulho em casa. E era realmente uma lembrança. Um par de meias esportivas. Qualquer outro pré-adolescente no começo dos anos 80 odiaria aquilo. Mas na hora notei que tinha um discurso que vinha além de um gesto de agrado. Pra mim era como um pequeno passaporte. Eu era considerado aceito no novo meio que acabara de entrar. E desde então todos os anos seguintes tinha praticamente a obrigação de ir àquela casa nem que fosse pra literalmente dizer “Feliz Natal” para todos. Logicamente com o tempo isso foi minguando, mas não culpa minha. Afinal tinha os anos que minha família vinha e teria de dar atenção a eles. Anos em que namoradas na ocasião me proibiam deixar o sofá e o prato da ceia com uma migalha sequer de farofa pra ir a qualquer lugar. Circunstâncias... Sei que essa família esse ano não terá as histórias daquele que tinha uma voz que sumia aos poucos e assim como no ano em que perdi meu pai, provavelmente as festas terão outro sentido. Mas quem sabe como no singelo gesto das meias, a aceitação não terá sentido de inclusão, mas de ponderação de novos dias. Onde a inclusão está na busca do que todos precisam e desejam em dias de dezembro. Um pouquinho de paz, união e felicidade. Quanto ao Rei eu ainda não esqueci. Por isso continuo dispensando até de deixar o som da TV ligada nessa hora.