Thursday, March 12, 2009

Vai com Deus!


Aloisio Santos ______________

Existe uma coisa que brasileiro adora fazer... Colocar Deus em todas as coisas. Um dos países com o maior número de cristãos no mundo, o que poderíamos esperar? Mas não quero colocar o Santo nome em dele em vão. Quero só fazer um relato de uma frase que sempre pontuou a minha vida. “Vai com Deus.”

É uma expressão de carinho, de afeto, algo como quem diz que pode ir, mas que volte porque te quero ver bem e do meu lado. Coisa que passa de geração em geração e que antes era reservada aos nossos avós quando queriam manter o seu manto protetor sobre nós.

O engraçado é que isso praticamente virou uma superstição em minha vida. Sair de casa significava gritar a todos pelo pequeno apartamento que iria sair. Mesmo que eu fosse apenas à padaria da esquina e voltasse 10 minutos depois. O importante era ouvir a minha mãe dizendo com aquela voz baixinha como ela e quase que inaudível... “Vai com Deus”. E eu seguia em frente como quem carregasse um elmo, uma armadura, escudo e lança. Pode vir o Bope, o Mão Branca, o Freddy Kugger, tanto faz. Sei que voltaria são e salvo como da mesma forma com que saí. E na verdade é uma das minhas poucas superstições, pois aos 40 anos quem acharia bom ter a necessidade de ouvir alguém dizendo “Vai com Deus”, mesmo que seja pra ir à padaria? Pois a essa mania eu junto ler um jornal de manhã cedo (sem isso me sinto como quem anda pela rua completamente pelado); um bom banho para acordar (pois sou lento demais pra sair da cama) e mais umas três coisas que nem vale a pena comentar. Só sei que gatos pretos e escadas não me fazem mal nenhum, muito pelo contrário.

Mas acho que essa expressão nunca teve tanto sentido quanto nos últimos dias. Um mês com a mãe internada num hospital público, aguardando a sua hora de ser operada, caindo de anemia, era realmente um caso de solução divina. E todos os dias ia vê-la, encher o saco de todo médico e enfermeira que encontrasse pela frente. Fazer o papel inverso de filho e mãe. Conversar com ela e logicamente ouvir o seu famoso “Vai com Deus”, quando não pudesse mais ficar por perto.

Pois em um dia de sol, ela acabou no CTI. Culpa por ficar muito tempo anêmica e que causou uma pneumonia daquelas. Por quase uma semana lá, fui meio que alarmado, pois ver uma mãe acostumada a pegar em serrotes pra mudar a casa inteira, naquela situação, cheia de tubos e deitada, praticamente sem ter como revidar, não é a melhor das imagens. Mesmo assim, tinha o meu prêmio de despedida ao ouvir a sua voz, dizendo sua frase default. Até que por uma causa clínica, um respiradouro foi necessário e ela, dopada, não teve como proferi-la por dois dias seguidos. E essas foram as últimas cenas que vi dela. Nada mais ouvi até que o dia que sua voz não pudesse ser escutada mais. Apenas a vi, com uma expressão de que a sua última luta foi realmente das mais hercúleas de todos os seus 74 anos de dedicação e altruísmo que vivenciou.

Confesso que a luta foi enorme, pois acreditava que seu frágil corpo não agüentaria por três anos após se despedir pra sempre do seu marido e de sua mãe. Mesmo com o baque de perder a irmã e amigas mais próximas, logo depois, ela agüentou por mais nove anos. Como disse antes, a baixinha não era mole. E ainda encarou duas cirurgias de catarata no meio do caminho.

Mas só na minha cabeça é que pude fazer uma oração de despedida por ela. A voz não saía nem por decreto e mesmo assim seria interrompida por total gagueira e incapacidade de balbuciar alguma coisa. Era deixar a chuva cair sobre o rosto e mesmo sem dizer uma palavra, retribuir as últimas palavras que recebi dela. “Vai com Deus”.

Amém.