Friday, November 24, 2006

Sabe com quem está falando?

Nessa mesa de bar tem todo o tipo de gente, mas de cabeça, além de mim, vejo pelo menos quatro pessoas ligadas à área de comunicação. Dois jornalistas e dois publicitários. E volta e meia surge a discussão sobre o que é notícia. O que vem a ser uma boa notícia. É relevante ou não? E tudo isso voltou à mente ao deparar com quase uma página inteira do "O Globo" sobre o assalto seguido de morte (gostaram do termo jornalístico?) de uma ricaça no Leblon.

Poderia ser qualquer ricaça, uma socialite de São Conrado; uma "grande atriz" namorada de um diretor global; a namorada daquele jogador de futebol que sempre quando está pra ser contratado por um time europeu, seu advogado esculhamba com tudo e ele volta a mostrar suas comemorações de "eu te amo" na camisa, por baixo do uniforme, nos campos de várzea daqui mesmo. Mas pasmem. Era a segunda (ou terceira) mulher do irmão do dono de uma grande empresa. E que por sinal, já era o segundo (ou terceiro?) marido dela. Revista de fofoca e enredo de novela mexicana perde longe.

Na boa, porque o Manoel Carlos não previu isso e botou na novela, em vez de um simples atropelamento de uma grávida num ponto de ônibus? Saddam ta lá longe, condenado. O Bush segurando no peru de ação de graças. O Lula ainda não sabe de onde veio o dinheiro do dossiê. Tenho um vizinho que rouba o Segundo Caderno do meu jornal. Não sei o que fazer com minhas contas, já que quem me deve não me paga (seria um caso macro ou micro-econômico?). Qual o resultado da Mega Sena? Sabe-se lá se vai dar sol ou chuva no fim de semana e o que importa é que ainda tem gente morrendo de fome no séc XXI e por incrível que pareça na portaria do meu prédio. Mas me desculpem a família da socialite, pois a violência mata muito mais gente do que se imagina, logo quando você chega no Rio de Janeiro, por uma via expressa. Então porque cargas d'água é tão chocante, relevante, extasiante, fulgurante, flavorizante e Flávio Cavalcante dizer, que a terceira mulher (em seu terceiro casamento) do irmão do presidente de uma empresa morreu, só porque não entregou a droga do seu Mercedes ou do seu Rolex pro bandido quando ele a abordou? Já vi gente morrer por muito menos do que isso... Por diabetes, hipertensão, velhice, câncer, febre tifóide, dengue, choque anafilático, falência múltipla dos órgãos (outro termo médico-jornalístico), aids e lá vai pedrada só porque não conseguiram ser atendidos num hospital na hora que tiveram seu piripaque. Até no Copa D'or acontece isso. E nem por isso são relevantes o suficiente pra garantir uma busca concreta dos problemas.

Pode apostar. Daqui a pouco vão fazer uma ONG chamada "socialite-sou-da-paz", glorificando todas as ações que ela um dia poderia fazer se ainda estivesse viva (não estou duvidando que ela o fizesse, ou seja, boa pessoa). E todos caminharão num domingo de sol pelo calçadão com camisas brancas patrocinadas pelo Viva Rio e clamando pelo seu direito de ir e vir de Mercedes sem problemas e com aquele olhar blasé pros garotos de rua que tentam faturar um troco como malabaristas. Afinal, as terceiras mulheres, em seus terceiros casamentos do irmão, do primo, do amigo, do tio de terceiro grau, que veio num navio de imigrantes nos anos 20, fundador de uma grande empresa, são gente também. E nosso país com isso vai perder muito, pois menos estrangeiros investirão num país onde é impossível andar na rua em paz.

Quer saber? Acho que vou cancelar a assinatura do jornal e viver apenas das noticias que todos comentam na rua... São as mesmas, relevantes, importantes, interessantes e não pago nada por isso. À propósito, nem botei foto nesse texto, porque também não achei relevante.

Aloísio Santos