Monday, February 29, 2016

Por trás dos memes - Oscar 2016



Ok, vamos imaginar a seguinte cena: você foi chamado para uma entrevista de emprego em um badalado restaurante. Um dos mais caros e frequentados da cidade e o chef é conhecido no Brasil e no Mundo. Função: auxiliar diretamente o chef. Claro que eles irão levar você para cozinha e mostrar panelas, condimentos, talheres e etc. A prova é simples, fazer uma omelete. De repente, do nada, você olha para aquele ovo com um medo ímpar. Não sabe sequer como quebrar a casca. O chef começa a desconfiar das suas atitudes e sua falta de iniciativa e pelo menos, ajuda a quebrar o ovo. O próximo passo é mexer clara e gema para colocar na frigideira. Você não sabe nem onde colocar tudo, nem como mexer, nem que instrumento usar. E confessa que não sabe até o que é uma frigideira, onde deveria colocar tudo e fazer a bendita omelete. Claro, que o fato é figurativo, mas aconteceu ontem, na transmissão da Globo do Oscar 2016.

Glória Pires é atriz global literalmente desde criancinha. Assim como a Suzana Vieira, elas devem ter um código de barras tatuado no braço indicando que são patrimônio da casa. Ela fez alguns filmes e novelas e supostamente isso a credenciaria para comentar a premiação. Só que não. A cada estatueta entregue ou filme indicado, foi monossilábica, como se estivesse representando a Raquel, de “Mulheres de Areia”. Total desdém e conhecimento sobre o assunto a ponto de por vez dizer que não teria o que opinar porque simplesmente NÃO VIU O FILME INDICADO. É isso mesmo. Ela, a comentarista da maior entrega de prêmios do cinema em todo o mundo, não tinha visto o filme. Lógico que até quem não é uma referência em cinema, mas pelo menos viu algum dos indicados da premiação, caiu de pau em cima. Blogueiros e instagrammers fizeram a festa. Memes e piadas em tempo real. E a comparação com o candidato a cozinheiro é mais do que pertinente. Você contrataria alguém incapaz para o cargo (ou sequer estudou para isso) fazer a prova ou mesmo executar a função? Pois é, eu não.

A atriz aceitou o convite, sabe-se lá como e porque. Talvez aproveitou a situação de anos de casa para fazer o que fez ou apenas servir de bucha de canhão para uma transmissão que a cada ano tem o interesse da Globo minimizado, a ponto de ter quase uma hora de evento cortado por causa do Big Brother, mas isso não justifica. Tem telespectadores, tem patrocinadores, tem audiência e todos merecem o mínimo de informação coerente. Em qualquer empresa, uma pessoa que tenha uma ação dessas seria suspensa ou demitida por justa causa.

Pena, Gloria Pires. Ao prestar esse desserviço deixou uma impressão terrível. O brasileiro faz piada de tudo, mas na verdade não é para zoar. É para agir contra mesmo. Independente dos motivos que a fizeram tomar essa atitude, muitos no mesmo lugar sequer aceitariam o convite deste trabalho se não se sentissem capazes ou à vontade para fazê-lo. Só para citar nomes globais, a Xuxa deixou a emissora e o Jô Soares vai sair mais uma vez e eles rendem mais grana para a emissora do que a atriz. Eles acharam que não há mais lugar para eles e fizeram isso porque quiseram sair. A menos que o Daniel Filho e o Gilberto Braga sejam muito amigos dela, certamente ela deveria deixar as barbas de molho. Os executivos “mais inteligentes” irão minimizar o fato e fazer reportagens diversas em vários programas exaltando os sucessos dela para apagar o melê que rolou. Na pior das hipóteses deixar no freezer por um tempo. Pior é imaginar que a transmissão do Oscar, que tem base jornalística, se permitiu que isso acontecesse. Depois não reclamem se a audiência cair, não comprarem mais jornais e perderem espaço para os blogueiros de plantão e os pitaqueiros do You Tube.

Pode ter sido engraçado, mas #soquenao.

Monday, February 22, 2016

EXERCÍCIOS



Ele bem que tentou por anos e anos e bateu na trave. Leonardo DiCaprio até o momento ganhou quase todos os prêmios que um ator poderia sonhar, menos o Oscar. Já trabalhou com vários dos melhores diretores de Hollywood, Scorscese, Spielberg, Cameron e agora, o diretor vencedor do ano passado pode lhe dar esse passaporte com o filme “O regresso”.

Alejandro Gonzalez Iñárritu gosta de trabalhar com a imagem das pessoas e o que o dia a dia pode lhes trazer de bom ou ruim. “Amores perros” foi seu passaporte para o cinema americano e com “Babel”, um bom exercício sobre etnias, guerras internas e claro, as que vemos nos noticiários. Este mundo à parte dos telejornais talvez serviu de base para seu filme mais recente e poucos provavelmente tenham dado conta disso. Por trás da história baseada em fatos reais de uma vingança que parecia não ter fim, devemos estar sempre atentos a algo que pouco realmente fazemos: o exercício da tolerância.

Hugh Glass, personagem de DiCaprio, faz parte de uma equipe de exploradores e comerciantes de peles no velho Missouri. Por um desses “acasos”, ele tem um filho meio-indígena e sua vivência com os índios o fez ter uma capacidade ímpar em sobrevivência nas florestas e em situações adversas. Conhecedor de todas as etnias, de todos os caminhos, ele é um guia a ser respeitado pelo seu comandante, mas profundamente desvalorizado pelos homens de “pele branca”. O suficiente para despertar a cobiça, a inveja e a ira de todos, dentre eles um Tom (Mad Max) Hardy que é capaz de tudo para salvar a própria pele, inclusive fazer da vida de Glass um inferno.

Após um ataque de uma tribo indígena, toda a equipe se dispersa. Glass depois é atacado por um urso pardo (isso não é spoiler, pois essa cena todos conhecem e já considerada uma das mais marcantes da história do cinema). Com a desculpa de estar praticamente morto e atrasar a vida dos demais, é abandonado pelo personagem de Hardy e à toda sorte (ou azar mesmo) que um moribundo poderia passar na floresta gelada.

Claro que a forma com que Glass resolve se levantar e juntar suas forças para voltar para a sua vingança é que seria um spoiler de verdade e não mais do que isso deve ser contado. Apenas o suficiente para que DiCaprio, tivesse os prêmios que ganhou até hoje. Logicamente que ele deve grande parte disso à Iñárritu. “O regresso” tem um movimento quase que inquieto. A técnica antiga onde nós somos os espectadores, alcança um nível de excelência, digno dos antigos filmes de faroeste e pena que não dá para ser exibido em um daqueles cinemas com telas gigantes dos anos 50 e 60. Esqueçam as salas especiais dos multiplex. Elas não serviriam para mostrar a amplitude das cenas e os rodeios das steady-cams que Iñárritu empreendeu. Na verdade, bem que esse filme deveria estar nas mãos do Tarantino, mas certamente ele não teria essa visão humanista que há por trás de tudo.

A luta entre todas as tribos indígenas dos Estados Unidos, entre exploradores e índios, homens e mulheres, é no final das contas, o mote do filme. É o nosso maior exercício saber diferenciar entre eles e nos atuais dias de redes sociais, como a intolerância nos faz tão selvagens como na América de séculos atrás. É o exercício que o diretor quer colocar novamente em nossas cabeças. Poucos notarão esse detalhe que para alguns pode ser apenas um libelo ao politicamente correto (claro, um filme com muitas cenas de violência pode servir para isso), pois o inimigo não são as tribos, os brancos e etc., mas o que carregamos de preconceito para que a nossa vida seja tão infernal quanto à dos personagens do filme.

Chato é perceber que por apuro visual, “O regresso” é superior à “Birdman”, o vencedor do ano passado. Por isso todos os prêmios conquistados até agora e que o fez tornar um favorito, inclusive DiCaprio que penou o que o diabo amassou no frio e horas e horas de maquiagem para dar mais veracidade às dores que passou. Mas veja com a calma que as quase duas horas e meia do filme trazem, que tudo é bem mais do que um daqueles exemplos de faroeste. Volta e meia os diretores gostam de revisitá-lo com um quê a mais. Eastwood e o já citado Tarantino já fizeram isso, mas agora cabe ironicamente a um mexicano colocar mais uma na placa dos memoráveis.

Sunday, February 14, 2016

PARA TUDO SE ACABAR COMO?




Conviver com outra pessoa dentro de você, totalmente fora dos padrões e ainda por cima nos anos 20 é uma dura tarefa e esse foi o drama de Einar Wegener, pintor dinamarquês, casado com a também pintora, Gerda. O drama de quem passou pela cirurgia até então experimental, de troca de sexo, foi o mote de “A garota dinamarquesa”, que tem mais uma bela atuação de Eddie Redmayne, o vencedor do Oscar de melhor ator em 2015 por representar fielmente o físico Stephen Hawkins.
O diretor Tom Hopper, fez de seu filme mais um libelo não ao homem que tem de passar por uma transformação para seguir em frente, mas colocar sua companheira como a força maior por trás de tudo. Assim ele o fez em “O discurso do rei”, onde a Rainha Elizabeth foi o trampolim para o Rei George VI se tornar um representante digno de sua nação. A mecânica é a mesma nos dois filmes e talvez o fato de ser uma espécie de estreante, comparado aos demais do ramo, nos longa-metragens para cinema, é que o fez se repetir e derrapar na curva dessa forma. Nem por isso deixou de moldar uma bela história de amor. Esse deslize talvez tenha sido responsável por ter apenas quatro indicações e estar fora do páreo dos dois prêmios principais. Quem carrega o piano são as atuações do casal, com um grande destaque para a uma irreconhecível Alicia Vikander (a bela robô de “Ex-Machina”) na sofrida Gerda.
O apuro está nas atuações shakespearianas e no visual detalhado, digno de um filme puramente inglês. É belo notar a transposição dos estilos de arte passando pelo Expressionismo e o Art Decó em cada momento da vida dos pintores. O desfoque proposital deixa apenas os rostos em destaque como telas que rodam a 24 quadros por segundo. Também é proposital o fato de começarem a trama com um Einar já com toques bem femininos, deixando maiores explicações só no decorrer do filme. Coisas assim não precisam de didáticas maiores, com o risco de acabar com o roteiro e o que está por trás de tudo: amor não tem medidas, nem consequências. Você simplesmente vive e se entrega sem pensar demais. Gerda perdeu os melhores anos da vida em nome de um romance dos tempos acadêmicos e que se tornou um espelho dela mesma em sua arte. Ganhou a notoriedade e também, que lições de vida estão quase sempre dentro da Caixa de Pandora.
Artistas, médicos e psicólogos vão ter muito o que usar como instrumento para palestras e aulas por um bom tempo. Muitos terão que levar o estoque de lenços. Alicia provavelmente terá uma estatueta dourada para guardar na estante e também, a única do filme, mesmo que todos os elementos de um trabalho de Oscar estejam ali. Só faltou mesmo, o ineditismo.
E eis que em um sábado, pós carnaval, ainda há blocos pela cidade e muitos ainda estão com suas fantasias. Mais dois dias e elas ficarão engavetadas e guardadas em seus closets. A outra imagem ficará atrás de mesas e cadeiras de trabalho. O detalhe ficará por quem terá de conviver com elas na mente e até quando. Muitos desejarão que histórias de amor não fiquem somente nos dias folia, mas também nos momentos divertidos e os adversos. E quem consegue juntar fantasia e amor, sempre sai ganhando.