Monday, October 09, 2006

Manfredini



Aloisio Santos _____ Quem conhece o Rio de Janeiro e gosta de boa música conhece bem uma loja de discos tradicional em Copacabana, a Modern Sound. Pois bem, ela é conhecida por ter em seu acervo, tudo o que você não conseguiria achar em lugar nenhum. Até mesmo em tempos de internet. Mesmo se eles não tiverem na hora, não há problema, eles mandam um Indiana Jones caçar nos confins do mundo a sua iguaria. Mas tudo tem seu preço. Essa loja também tem a má fama de fazer com que os compradores cheguem lá com carrinhos de mão cheios de dinheiro e sair sem nenhuma roupa no corpo e apenas um cd. Mas também é um bom lugar para pesquisar, por isso muitos músicos dão uma passada para ver coisas antigas, coisas novas e assim buscar inspirações para seus álbuns. E também trocar uma idéia com o Amândio, um dos melhores e mais antigos dj’s que já vi.

Hoje, ela ocupa todo o espaço de um cinema e de mais duas lojas e virou uma megastore-café-lounge-livraria-banco 24 horas-farmácia de plantão-mercadinho dia e noite. Mas até poucos anos atrás vendia apenas vídeos, alguns livros ligados à música e cinema e discos de vinil. Aos montes. Tanto que as novidades que vinham de fora ficavam nas próprias caixas de papelão. Era um tempo que internet não existia, ou estava no berço e troca de arquivos em mp3 impossível. Daí tínhamos que amanhecer na porta pra ter um “Kill’em All” do Metallica antes de alguns mortais tupiniquins. E para facilitar a vida dos aficionados, deixavam pequenos bancos onde você simplesmente pegava e fuçava disco por disco nas caixas sem acabar com a sua coluna.

Num tempo onde todos pareciam vir de um show de heavy metal que eu e um amigo fazíamos a nossa “ronda” na busca de novidades da loja. Nem sei porque me submetia àquele ritual masoquista, pois não tinha um centavo sequer pra nada e os vendedores já manjavam o ritual da turma, mas gostavam de dar um ar de superior por trabalharem lá e dizer que entendiam de música. Mas nesse dia, pelos idos de 1986, esse meu amigo me cutucou e apontou pro lado. Vi apenas um cara barbudo, de óculos e na hora me lembrei de um vídeo onde ele bradava em alto som, coisas da natureza humana e que brigar não havia sentido se não havia motivos ou vontade. E meu amigo me cutucava a cada dois segundos que me impedia de fazer minha pesquisa musical nas caixas de papelão e quase que gritei no meio da loja... “Tá! Já sei quem é! Quer que eu faça o que?”. Pois nós cariocas temos um certo jeito de tratar as celebridades como nossos vizinhos. Tirando um ou outro, pelo menos na Zona Sul da cidade, elas são pessoas que realmente podem ser seus vizinhos, por isso não nos jogamos em cima deles pra pedir qualquer coisa. Ainda mais hoje que com qualquer celular você é um verdadeiro paparazzo.

Notei que meu amigo queria uma lembrança daquele cara que estava despontando e começando a divulgar o segundo álbum de sua legião de músicos. Não tinha nada na minha carteira a não ser uns cartões de visita. Dei um deles e ele correu pro caixa para pedir um lápis emprestado. Um minuto depois ele voltava todo feliz com o seu troféu e me deu. Na hora disse que é dele. Afinal, ele teve a paciência, o saco, o mico, sei lá de pedir um lápis e um autógrafo do cara. E também não tenho o costume de fazer isso e nem guardar autógrafos. Ele de tanto insistir fez com que guardasse o autógrafo na carteira, junto dos outros cartões de visita e notei que além do autógrafo tinha colocado um desenho do Congresso Nacional no canto. Como quem dissesse de onde veio, pois provavelmente não estava homenageando Niemeyer nem JK.

Não sei porque deixei esse cartão de visita entre os demais até hoje. Talvez por preguiça ao vê-lo no meio dos demais cartões. Simplesmente poderia jogar fora com algum contato que não me desse mais interesse. Mas sempre que fazia isso, deixava-o no meio dos outros. Provavelmente uma voz bem baixa no meu ouvido me dizia que aquilo valeria algo um dia. Como na cena dos Caçadores da Arca Perdida em que o arqueólogo-vilão do Indiana Jones dizia que se enterrar um relógio comum no deserto por mil anos faria esse relógio ter um valor inestimável depois. Naquele momento essa voz dizia que aquele cara barbudo, de óculos e feio feito o cão iria mover massas em shows que pareciam verdadeiras missas com seus devotos em total transe. Porque tinha coisas a dizer e sabia que nem tinha apelo visual pra colocar meninos e meninas aos seus pés. E passado mais um ano, mesmo depois de anos sem nada novo, as mensagens nas músicas alcançam outras gerações de rebeldes sem causa e com causa também. Principalmente os com causa. Mas o troféu pelo momento adolescente ainda está comigo.

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