Sunday, October 05, 2008

Vida que segue



Bel Góes - Sabem esses filmes sobre amizades eternas, com reencontros emocionantes e segredos ditos a meia voz? Sempre gostei desse tipo de filme. Não aquela coisa piegas e sem graça de amigas para sempre, papo de mulherzinha fazendo chá, gritos histéricos e acusações de traição. Mas aquele tipo Lendas da Paixão, em que a amizade e o amor entre os irmãos é tão forte que um deles é capaz de atravessar o campo de batalha inimigo sob uma saravaida de balas para resgatar o corpo morto de seu irmão caçula e arrancar seu coração inerte para enterrar no lugar onde costumavam brincar e onde foram felizes pela última vez. O então os pactos eternos que duram um verão (ou a vida inteira). Meninos que crescem juntos no mesmo bairro e passam por poucas e boas e depois de adultos continuam sendo amigos, nunca se encontram, não podem mais se ver, mas não podem esquecer a importância que eles têm um na vida do outro.

Tenho uma amiga assim. A primeira lembrança de amizade que tenho é com ela. As confidências, risinhos, amores eternos que duraram uma única tarde de chuva, as brigas irreconciliáveis, o choro doído do primeiro fora. E também a primeira lembrança da dor da despedida é com ela.

Ontem fiquei pensando em todos os meus amigos que se foram, em todos os amigos que perdi. Não falo de amizades que não tem princípio nem fim, das que sempre existiram e que a gente um dia esbarra e sem saber como ganhamos mais irmãos e irmãs. Falo dos amigos que passam por nossas vidas, encostam um dedo mágico para nos fazer ver o quanto o mundo é colorido e depois simplesmente desaparecem no éter.

É tão grande o número de amigos que se foram, que não estão mais aqui que cheguei a conclusão que estou muito velha e cansada para novas amizades. Amigos são insubstituíveis, não é como uma calça jeans que você pode sempre comprar uma melhor, mais nova, mais bonita, mais na moda.

A perda mais recente fechou um ciclo na minha vida. Foi exatamente como a primeira. Uma noite de chuva, a pista molhada, ensebada. Um motoqueiro sem capacete e uma curva fechada demais. Voltei a ter 10 anos, vi novamente o cabelo louro do Du, os olhos verdes brilhando no meio da chuva enquanto a gente brincava no recreio. Ouvi sua risada, senti o cheiro bom de roupa limpa e sabonete de neném. Mas a dor é outra, mais madura, mais trancada. Ela se junta com todas as outras dores de perdas irreparáveis, de traições, de frustrações e aí o ciclo não se fecha. A roda não é perfeita.

Mas a vida se encarrega de mostrar que tudo sempre retorna ao ponto de origem. No dia seguinte ao enterro o pai do meu amigo me entregou uma caixa toda suja de terra e lama. E para minha surpresa eu ainda tinha a chave do cadeado. E todos juntos, todos os amigos que sobraram, abrimos o baú da nossa infância revisitando os itens esquecidos de crianças inocentes. As figurinhas, piões, joguinhos, cartas, anéis... tudo como deixamos para trás, mais de 20 anos guardados em uma caixa de ferro, enterrada em um jardim. E as lembranças apenas nos mostram que não existem amizades eternas. Que nada é eterno. Mas que a vida segue seu rumo sem se deter por nada, se dar tempo para que a gente se acostume com as pedras que caem.

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