Sunday, March 21, 2010

Confesso que chorei


Aloisio Santos ____________________

Dia do trabalho, 1° de maio, caindo num domingo. Alguns reclamavam perder um dia de descanso, mas todos acordaram mais cedo, como em muitos outros domingos antes. O ano era um atípico ano para os brasileiros. Naquele momento muitos não sabiam sequer com o que pagar o pão de cada dia, se era em URV’s, cruzeiros, cruzeiros novos, real, ou um índice incompreensível para o cidadão comum. A pátria de chuteiras daria o seu passo-a-passo para quebrar um jejum de Copas do Mundo de 24 anos. Um ex-senador paulista viria a ser presidente, graças a um plano monetário que se mantém até hoje, sabe-se lá como. Naquele dia, como todo domingo, era dia de frango com macarrão. A praia ficaria lá pra depois das onze horas. Mas antes, o sagrado e ótimo ofício de vibrar em frente à TV era celebração ecumênica de uma nação inteira. E no meu caso, que passava ao longe das igrejas, essa era a minha religião.

O dia era tenso. Um piloto havia morrido dois dias antes, na pista de Ímola. O então meio-estreante Barrichello voou e quase destruiu a sua vida, logo depois. A torcida era não somente de ver um orgulho nacional vencer novamente, mas principalmente, como todo fã de Fórmula 1, que a fatalidade não fizesse das suas, mais uma vez. Ledo engano. Logo nas primeiras voltas, uma Williams deu de cara na curva Tamburello. Estilhaços para todos os lados e o pior, era “ele” quem o pilotava. Uma batida feia o suficiente para quem vira todas as corridas desde os tempos de Pace e Fittipaldi. O palavrão fez quem ainda dormia, acordar na hora, por todo o prédio.

Desde então, o resto do “feriado” foi de uma total apreensão. A minha experiência de louco por corridas já sabia dos detalhes de uma transmissão ao vivo. Câmera em um helicóptero bem longe. Nada muito focalizado e quando se noticiou que seria necessário uma traqueostomia, na hora, o sangue gelou e a mente já sinalizou para mim o que o resto do país veria mais tarde, nos plantões de notícia. Era desligar a TV, numa mistura de tristeza e aceitação, com esperança e o que mais viesse à cabeça. O caminho para a praia foi “no automático”.

E meio que robotizado, vi as horas seguintes. Nunca algo foi capaz de mexer com a minha emoção, quando a perda era eminente. Nunca tinha sido um adorador de celebridades, quaisquer que seja. Ainda não sou e por isso, uma coisa muito estranha me passou nos dias seguintes, com toda a mídia fazendo aquele sensacionalismo sobre a morte de alguém. Eu simplesmente me vi emocionado. Afinal, o Brasil ainda não tinha levado a Taça, não tinha ainda a certeza se o dinheiro que ele tinha valeria algo e se o tal ex-senador ganharia. Foi tudo um grande empurrão para o esquecimento do que aconteceu naquele Dia do Trabalho. Como se o nosso orgulho fosse ferido pela suspensão de um carro e nos atingisse a cabeça feito uma bala. Nós tínhamos o que mais próximo seria de um herói de carne e osso e que não era um jogador de futebol. Algo que o mundo inteiro reverenciasse simplesmente pelo que era capaz de fazer e ainda por cima amava o que fazia. E melhor: era brasileiro por amor, não somente por nascimento. A bandeira não tremula mais nas mãos nas voltas da vitória num domingo.

E eu confesso que chorei. Também.

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2 comments:

MÔNICA A. MARTINS said...

DEU ATÉ VONTADE DE CHORAR EM LER TANTO SENTIMENTO NUM TEXTO. PARABÉNS MAIS UMA VEZ MEU AMOR!!!
BJS

kayak said...

Todo primeiro de maio eu tento nao lembrar o que senti naquele dia e nos dias subsequentes a morte dele. O seu texto me fez lembrar exatamente como me senti naquele dia.

E exquisito ter esse tipo de sentimentos por uma pessoa que eu nunca conheci pessoalmente. Mas nao precisava.. Senna era o irmao maior que nunca tive, o super-heroi que eu podia ver em acao todo domingo. E ate hoje quando lembro daquele dia, meu coracao doi pela perda.

Ele era parte de todas as familias brasileiras e aqueles que foram privilegiados de ver Senna correndo, nunca vao esquecer.