Sunday, October 24, 2010

Quer me f***, me beija!


Aloisio Santos ___________________

A frase “Esta é uma obra de ficção e quaisquer fatos e nomes, são mera coincidência”, colocada logo no começo de “Tropa de Elite 2”, serve para mostrar única e exclusivamente aos cariocas que, independente da nossa ciência, os bois foram nomeados. Alguns de forma explícita, em participações especiais e pontas. Mas isso é café pequeno para o mal que o Rio vem enfrentando nos últimos 30 anos e com grande crescimento, na virada deste milênio. Talvez essa seja a grande sacada de um cinema nacional que parece ter aprendido enfim, como se faz bom cinema. Não precisa mais ser macunaimesco para dizer que é nacional. Isso todo mundo sabe e não aprova nem um pouco. Só precisa de um ótimo roteiro, produção esmerada, bons atores e que saibam enxergar a boa mão do diretor. O resto flui redondo.

Isso significa que o dinheiro empregado pelos inúmeros patrocinadores que enchem a tela nos cinco minutos iniciais e deixando a platéia irritada (uma das manias que o cinema nacional precisa abolir imediatamente) foi bem utilizado. Mas o engraçado é ver como esta continuação, que toca na questão política da violência carioca, teve um grande suporte do governo estadual e municipal. No mínimo, irônico. Quem não vive no Rio e acompanha os acontecimentos apenas pelos jornais sabe que fatos, que vão desde o massacre que culminou com a morte de chefões do tráfico em Bangu, em 2001 até a recente troca de comandos da área de segurança, passando pela CPI das milícias, vai ver este filme com outros olhos. Como uma pequena extensão da insatisfação da impunidade nacional reinante. Todos nós cariocas sabemos os nomes e acontecimentos, mas todos eles se safaram em nome da “proteção aos inocentes”. Fazer o quê?

Não há o que questionar. A tal “vontade política” por qual todos apelam, tem vontade própria. E mais: ela tem fome, muita fome. Está na cabeça dos apresentadores de programas sensacionalistas, no marketing político, nos alpinistas políticos e que só fazem lutar mais quatro anos e pior, no cidadão que bem que gostaria de ter uma bolsa-família-com-quentinha-e-se-puder-um-pouco-de-arte-desde-que-seja-pela-tv-a-cabo a mais para continuar a morar em suas comunidades e ter motivos para reclamar. Desde que ele receba o seu quinhão todo quinto dia útil do mês. Isso tudo está lá. Mas cabe a pergunta: se todos nós sabemos o que acontece, porque será que dói mais quando alguém vem nos dizer isso de uma forma tão contundente? O diretor José Padilha apenas nos deixa mais perguntas na cabeça, pois um povo que não aprende com os próprios erros, deixa a minoria pensante sempre com a conta para pagar.

Enquanto produção, “Tropa 2” não deixa dever a nenhum filme de ação hollywoodiano. Tem os mocinhos, os bandidos, os mocinhos que viram bandidos e vice versa. Todas as implicações que vem dos altos escalões, também. Obedecendo as devidas proporções, o nosso pequeno Poderoso Chefão, por assim dizer. Vai além da didática esteticamente arrumada de “Cidade de Deus” e bem a frente da panfletagem de “Carandiru”. É cinema no sentido mais amplo, posto que não seja só diversão. Como toda arte, também vive de pulso e pulso que às vezes precisa da dor para fazer o sangue correr. Certamente, as cabeças pensantes de um Rio cada vez mais parecido com Chicago ou Medellín, sentiram o impacto. As demais vão apenas correr para o camelô mais próximo comprar a versão pirata para ver o que está bem na porta deles, todos os dias. E provavelmente rindo de tudo, pois se o nervosismo não é capaz de tirá-los do sério, sempre vão dizer que só resta rir do que chorar. Mas no final das contas, todos saem chorando.

5 comments:

MÔNICA A. MARTINS said...

ADOREI SEU TEXTO AMOR, MAS NÃO VOU COMENTAR MTO PQ VC SABE BEM QUE ESSE FILME ME CALOU FUNDO DEMAIS POR MOTIVOS QUE VC CONHECE MAIS DO QUE NINGUÉM. TE AMO MEU NERD!!!

Anonymous said...

Um dia terei que parar de evitar esses dois filmes, mas sempre que leio sobre eles tenho a impressão de que são obras que estigmatizam o pobre como criminoso e o criminoso como um demônio não humano.
Conheço um bocado de gente de comunidades e a grande maioria dá duro para estudar um pouco mais ou pelo menos dar acesso ao estudo para os filhos. Famílias que aos poucos vão construindo uma vida digna.
Por exemplo, quando vc fala de quem "gostaria de ter uma bolsa-família-com-quentinha-e-se-puder-um-pouco-de-arte-desde-que-seja-pela-tv-a-cabo a mais para continuar a morar em suas comunidades" é porque o filme passa a imagem de que as classes C, D e E são assim, encostadas no governo, certo?
Não vejo isso no mundo real...
Bem, também não vi os filmes, um dia venço a repulsa que tenho por causa da desconfiança de que é obra fascista e assisto, se vc gostou acho que vou me surpreender...

R.rosa said...

adorei o texto amigo! vejo td como uma forma realmente real... e sabemos que essa parte "política" -(bolsa familia etc)acontece em muitos locais ainda. é favorável para os políticos não investirem em educação, assim as pessoas ficam "felizes" com a "ajuda" que se torna mto na realidade deles que pouco têm...

Corpore Transmuto said...

Eu ainda nao assisti ao Tropa 2, mas tendo como base o tropa 1, acredito que esse seja infinitamente melhor, no sentido de indentificar e de fato apontar a parte necrosada desse Rio em plena guerra civil. Todos nos sabemos da imundice governamental e ainda assim nos deixamos cegar.Todo ano de eleição, mesmo sabendo que as coisas só pioram,lá estamos nós pobres cabos eleitorais, dizendo que agora será diferente, mas nunca é, e nunca será.

Sobre a parte que voce fala do bolsa familia, e que inclusive,já houve um repudio no primeiro comentário, acredito que hajam sim exceções como disse nosso caro amigo, mas elas são minimas. Se não fosse essas bolsas-esmola, provavelmente não estariamos elegendo uma presidente envolvida em tanta sujeira como a nossa Digníssima Dilma. Não que Serra seja a melhor opção,mas digamos que seria menos pior. Eu particularmente vou jogar meu foto fora, mas é aquele velho ditado, uma única andorinha não faz verão.

Resumindo, adorei a resenha!
Beijos meu querido amigo Aloisio.

NO BUTECO said...

Meu grande amigo Roney. Tudo certo? O fato de colocar em cheque o modo de vida das comunidades e das pessoas que lá vivem, não quis em hipótese nenhuma delinear que são enconstadas pelo governo.

Conheço muito bem o que elas passam e sentem, não apenas pelo trabalho desenvolvido pela minha esposa, mas pelo meu próprio trabalho em uma revista comunitária na Rocinha. Sei o duro que eles dão para viverem dignamente. Infelizmente há sim, quem compactue com o modus operandi do governo e dos diversos sistemas paralelos, que o próprio filme descreve. Podemos ver o resultado das urnas nos últimos 30 anos, o que o populismo foi capaz de fazer no Rio de Janeiro.

O filme, como produção é bem feito e isso é um mérito que não podemos deixar de abordar, mas não acredito que seja fascista. Ele tem um toque panfletário ao citar co-relações e participações especiais de membros de partidos de esquerda e é antede de tudo um alerta. Como eu mesmo disse: "todos nós sabemos o que acontece, e dói mais quando alguém vem nos dizer isso de uma forma tão contundente".

Pode ficar tranquilo meu caro amigo. Você sabe mais do que ninguém que eu não sou de andar apregoando falsos ou verdadeiros fascismos por aí, muito pelo contrário ;-)

Gde abs