Sunday, February 06, 2011

Bichos Escrotos


Aloísio Santos ___

Quem acompanha cinema, sabe que todo filme que envolve uma produção musical apresenta sempre disputas, principalmente quando um papel principal está em questão. O último a tratar disso foi o fraco “Chicago”, que tentou de todas as formas retomar o estilo que os americanos sempre dominaram (os nova-iorquinos são mestres nisso, com seus espetáculos iluminados da Broadway) e para reforçar as estatísticas tem Bob Fosse, sempre magnífico nesse quesito. Mas tentem imaginar como seria essa guerra onde o campo é muito mais minado e neurótico do que se pensa. Ou seja, dentro de uma companhia de balé. E esse âmbito parece ser o ideal para a mente do diretor, também nova-iorquino, Darren Aronofsky.

Usando um termo futebolístico, ser a estrela principal de uma companhia de dança e encenar o “Lago dos Cisnes”, é como marcar o gol decisivo de uma Copa do Mundo. Toda a família, toda a pressão, todos os anos de luta e dificuldades que esta carreira exige, estão em cheque. Tem o técnico (ops!) diretor sacana e manipulador que quer a todo custo, imprimir o seu estilo na mente dos seus pupilos, tem pais e mães super protetores, tem a concorrência desigual e os sacanas de plantão que só esperam o primeiro vacilo, para puxarem o tapete. É assim em qualquer profissão, mas quem está desde os cinco anos de idade querendo esse “gol”, passa por isso multiplicado por infinito. Não é realmente um conto de fadas e talvez seja essa a intenção do diretor, que tem no incensado “Pi”, o seu debut de 1998 e sua maior obra até o momento. Lento e morno como se pretende ser no começo e a cada dia em que se aproxima a estréia da encenação do balé, corações e mentes parecem ter vida própria e o corpo não mais pertence aos bailarinos. Quem paga o pato, claro, é a prima-dona belamente interpretada pela Natalie Portman, a pule de dez pelo prêmio de melhor atriz. Na verdade, desde sua primeira aparição em “O Profissional”, ela já disse a que veio. Fez o seu vestibular em “V, de vingança” e neste “Cisne Negro” a sua tese de graduação.

Mas este é o grande detalhe: ao contrário do que todos pensam este não é o filme da Natalie, a favorita do ano e sim, o novo de Aronofsky, que sabe extrair o máximo dos seus atores, como já fez com Mickey Rourke, em “O Lutador”. E a sua câmera nos deixa tontos sempre que Nina, a personagem de Natalie caminha pelos corredores e ruas. Ao contrário das cenas em que sua rival, Lily, aparece. Ela, propositalmente uma californiana e de mente mais “aberta”, é o seu contra-senso e a escolha por Mila Kunis foi bem acertada. Ela é aquela pode e sabe usar dos seus apelos para tornar o círculo do balé o menos neurótico possível. Ela, ao contrário do coletivo, não é a frágil e virgem que ao botar sapatilhas, se torna na imagem que todos tem da pureza e perfeição. Ela é antes de tudo, uma mulher ciente de si e do que pode alcançar. Ela pode ser a aeromoça, a executiva, a presidenta e quando quer, a bailarina solista.

Mas Aronofsky é um bom diretor para dar força a personagens e não a histórias. Talvez por isso a sua indicação ao Oscar. Mas como o trabalho é de certa forma tão inacabado quanto uma obra clássica parece ser, ainda é aquém ao prêmio máximo. Alguns irão dizer daqui a alguns anos que é um filme cult, pelo simples fato de ser o mais “cabeça” dos dez indicados do ano. Os cineclubes irão dar mais votos de confiança e louros de gênio para Aronosfsky, mas podem estar certos que mesmo os gênios sabem a hora de acertar a mão entre o cult e o comercial, além de juntar bons atores, personagens e histórias para fazer um filme oscarizável por excelência. De quebra temos uma Winona Rider por pouco irreconhecível, Barbara Hershey e Vincent Cassel como os títeres de uma neurose que cresce a cada dia em Portman. E não podemos esquecer a linda cena de transformação da bailarina que pode ser a referência de “Cisne Negro” pelos próximos cem anos. Mas como dito antes, um filme precisa também ser completo.

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