Tuesday, February 07, 2006

A razão e a sensibilidade de Lee


Aloisio Santos _________
Anos 60. Um jovem cowboy procura um emprego na cidade. Como não consegue nada, vive na venda de seu corpo e tem um relacionamento com o seu, digamos, gigolô. Nesse mesmo ano, dois outros cowboys estão mais pra ladrões do que realmente vaqueiros, mas sua “parceria” fez bem pra carreira dos dois. E em outra situação, um velho cowboy mostra toda sua bravura indômita. Isso tudo em um ano só.
Mas tudo isso não foi real. Eram os filmes “Perdidos na noite”, “Butch Cassidy” e logicamente “Bravura indômita”. Engraçado como nos anos 60, os americanos já gostavam de mexer com seus mitos, e em particular o famoso vaqueiro. Símbolo de toda masculinidade e força e poder do americano típico. Dois eram ladrões, um já estava um tanto velho pra atuar, e o outro teve um caso gay. E todos eles ganharam seu Oscar, mas o que causou mais espanto foi justamente “Perdidos na noite”. O vencedor do ano e que revelou o pai da Angelina Jolie, Jon Voight.
Quarenta anos depois, o cinema hollywoodiano está grilado. Afinal, numa América cada vez mais conservadora, moralista, militarista e idiota no sentido mais amplo poderia absorver bem os pensamentos criativos de quem lida com a arte mais valorizada do país? Nada melhor do que mexer no feridão para ver o que acontece. E é essa a sensação que o favorito ao Oscar desse ano “O segredo de Brokeback Mountain” de Ang Lee quer passar.
Mas Lee já mostrou que não é um diretor qualquer. Quem viu “Razão e Sensibilidade” e “O tigre e o dragão” sabe disso e que ele mostra que a China tem muito mais que Jackie Chan e filme de porrada coreografada. Mas qual é a grande diferença se há 40 anos atrás os americanos viam um cowboy ter um caso gay no cinema?
A grande diferença é que Lee juntou um elenco improvável. Heath Ledger (uma das muitas tentativas de se criar um novo James Dean), Jake Gyllenhaal (um Tobey Maguire com mais tino pra atuação) e Michele Williams (que é mais conhecida por ser a adorável problemática Jen da série de TV “Dawnson’s Creek”) e os fez trabalhar com a razão e obedecendo bem as técnicas de uma boa atuação. Teve sensibilidade capaz de fazer em pouco mais de 2 horas de filme, com que dois caipiras americanos passasem o tempo se amassando e discutindo a relação. Isso mesmo, discutindo a relação! Como isso é possível nos anos 60? Não foi. E durante os 20 anos da história do inusitado casal, eles tentam levar suas vidas miseráveis, enganando a si próprios e de vez em quando tendo as montanhas do Wyoming como testemunha de que os sonhos deles eram realizáveis. Isso significa que tratar o filme como um “romance cowboy gay” é simplificar demais as coisas.
Esse é o grande mérito de Lee, que se não tiver a sua estatueta como os prognósticos apontam, terá pelo mais um cult movie em seu currículo. Mas não mais do que isso. Ele já fez filmes com muito mais razão e muito mais sensibilidade do que este. Não que “O segredo de Brokeback Mountain” não o tenha. É que os americanos costumam de vez em quando passar por cima de seus próprios mitos e mostrar outras faces da mesma moeda. Se o vaqueiro daquela marca de cigarros morreu de câncer e muitos outros atores conhecidos pelos faroeste,s com seus personagens viris não eram exatamente viris. Tudo é possível, ou já demonstrado.

1 comment:

Anonymous said...

Aloisio parabens texto maravilhoso.
Como Tudo que vc faz, lindu lindu.
Parabens.
Patricia Alfeld